A dita remodelação governamental em Angola nada mais é, nada mais pretende ser, do que a manutenção do já institucionalizado ao longo de 45 anos culto canino e acéfalo de quem está no Poder, no caso João Lourenço. A consultora Eurasia acredita que vai ajudar João Lourenço a continuar a agenda reformista. E acredita (diz que acredita) por que o seu “core business” (negócio central) está nos antípodas do real interesse do Povo.
Por Orlando Castro (*)
A consultora Eurasia considera que a remodelação governamental em Angola serviu para diminuir ainda mais o poder do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e aumentar o número de tecnocratas que vão ser úteis nas reformas. Ou seja, serviu para substituir o “ladrão” por alguém que foi basilar no roubo anterior, que participou nesse roubo e que beneficiou desse roubo. Por outras palavras, em bom português, o que se passou foi a substituição de um “ladrão” por outro “ladrão”, não sendo despiciendo recordar que o novo “ladrão” foi escolhido pelo anterior “ladrão”.
“Estas alterações (diminuição de ministérios, não de cargos) vão diminuir significativamente os custos com pessoal mas, mais importante, vão ajudar a diminuir o poder de José Eduardo dos Santos e aumentar o objectivo de consolidação política de João Lourenço”, escrevem os analistas da Eurasia.
Num comentário enviado aos clientes, os analistas dizem que a remodelação governamental deste mês, que reduziu o Governo de 28 para 21 ministros, promoveu “vários tecnocratas que também vão ajudar João Lourenço a continuar a sua agenda reformista apesar da deterioração das perspectivas económicas”. Tecnocratas que, como nas várias remodelações dos últimos anos, servem para corroborar que (como diria João Lourenço) se “haver” necessidade é exequível assumir um… “compromíssio”.
A 6 de Abril o Presidente de Angola (não nominalmente eleito), com o apoio do Presidente do MPLA e do Titular do Poder Executivo, fez divulgar a lista dos novos membros do executivo, que encolheu de 28 para 21 ministérios, destacando-se a saída de Manuel Augusto, das Relações Exteriores, substituído pelo seu secretário de Estado Téte António.
Da longa lista de exonerações constam 17 ministros e 24 secretários de Estado, bem como o secretário do Presidente da República para os Assuntos Políticos, Constitucionais e Parlamentares e o director do Gabinete de Acção Psicológica e Informação da Casa de Segurança do Presidente da República.
Muitos dos governantes transitam de pastas, mas Já Adjany Costa, a jovem bióloga que venceu um prémio das Nações Unidas para os ambientalistas que mais se distinguiram no ano passado, é de facto uma cara nova no executivo, assumindo um superministério que junta Cultura, Turismo e Ambiente, o que só por si mostra que, como não sabe o que está a fazer, João Lourenço confunde o corredor de fundo com o fundo do corredor.
Manuel Gomes da Conceição Homem estreia-se no novo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, até agora dividido entre as Telecomunicações e Tecnologias de Informação, tutelado por José Carvalho da Rocha, e Comunicação Social, liderado por Nuno Caldas Albino “Carnaval” que passa a… secretário de Estado, deixando de fora Celso Malavoleneke.
Mantêm-se nas mesmas funções, Diamantino Pedro Azevedo, ministro dos Recursos Minerais e Petróleo, que junta o Gás ao seu departamento, bem como Manuel Tavares de Almeida, ministro da Construção e Obras Públicas, agora responsável pelas Obras Públicas e Ordenamento do Território, anteriormente assumido por Ana Paula Carvalho.
Os de primeira e os escravos
Nós por cá somos cerca de 30 milhões, considerando a soma dos angolanos de primeira (os do MPLA), de segunda (os que dizem que são do MPLA) e os outros. Pobres? “Só” 20 milhões. Angola é, por exemplo, dos nove Estados lusófonos o país com pior cobertura de serviços básicos de Saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Banco Mundial (BM). Será possível?
Independente há 45 anos, tendo no governo sempre o mesmo partido (o MPLA), estando há 18 anos em paz total, sendo um país rico… algo vai mal (muito mal) no reino.
Será então caso para dar os parabéns a este partido, nomeadamente a João Lourenço (mas sem esquecer José Eduardo dos Santos), e lembrando que o actual Presidente fez durante anos, muitos anos, parte da estrutura dirigente do MPLA, sendo por isso conivente activo no desastre deste país. País que, aliás, é líder noutros “rankings”, casos da corrupção e da mortalidade infantil.
Nos serviços básicos, o país do MPLA tem uma taxa de cobertura de apenas 36%. De entre as nações lusófonas, seguem-se a Guiné-Bissau, com 39%, Moçambique (42%), Timor-Leste (47%), São Tomé e Príncipe (54%), Cabo Verde (62%) e Brasil (77%). Portugal é o país lusófono com melhor resultado, tendo mais de 80% da sua população coberta.
A estratégia de João Lourenço é simples e transparente e respeita todos os cânones do MPLA: os escravos não têm direito a reivindicar seja o que for, muito menos quererem ser considerados iguais aos seus donos. Por muito musculada que seja a força da razão dos escravos, nunca vencerá a razão da força dos seus proprietários.
Assim sendo, antes de ser provado já o MPLA provou o seu direito legal de propriedade sobre – entre outros – os pretos ovimbundos, tal como “consta” do acordo de rendição assinado em 2002 pela UNITA. E não adianta aos “chefes” dos escravos virem falar de “intolerância política”. Não nos esqueçamos que o emblemático e histórico dirigente do MPLA, general Kundi Paihama, disse que em Angola existem dois tipos de pessoas, os angolanos e os kwachas, tal como aconselhou estes a comer farelo porque “os porcos também comem e não morrem”.
A democracia é isso mesmo. Recordam-se de uma célebre Comissão Parlamentar do Inquérito (CPI) sobre a intolerância política na Província do Huambo e que foi presidida pelo deputado e general Higino Carneiro, e que era composta por 15 deputados, dos quais 12 do MPLA e os restantes três divididos democraticamente pela UNITA, PRS e FNLA?
Como seria de calcular, essa CPI apurou que “os assassinatos invocados pela UNITA como tendo ocorrido nos municípios do Bailundo, Katchiungo, Tchikala Tcholohanga, Ukuma, Ecunha, Londuimbali e Caála não resultaram de intolerância politica, mas, de crimes do foro comum, relacionados, com praticas ligadas à feitiçaria”.
E apurou muito bem. Aliás, sendo o MPLA dono absoluto da verdade, estava fácil de ver que a teoria da UNITA era uma manifesta mentira. E a CPI foi, mesmo assim, muito condescendente com os escravos do Galo Negro porque, num acto de assinalável magnanimidade, não acusou a UNITA de ter sido ela própria a provocar as mortes só para acusar, denegrir e enxovalhar a impoluta imagem do partido que nos governa desde 1975.
Em síntese, o MPLA não conseguiu gerar riqueza, mas conseguiu gerar ricos. Somos o país que mais ricos tem por metro quadrado. Ao lado, o país é o que mais pobres tem, também por metro quadrado. Mas não vale a penas desesperar. Tudo indica que daqui a 55 anos Angola estará já com alguns destes problemas resolvidos. Isto se o MPLA continuar no Poder.
Se os portugueses foram donos de Angola durante várias centenas de anos, por que razão não poderá o MPLA aspirar a bater esse recorde?
(*) Com Lusa